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Chef Roberta Sudbrack conta por que fechou seu premiado restaurante

por | jun 30, 2017 | Brasileira, Cozinhas, Entrevistas, Notícias

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Por: Roberta Sudbrack

No dia 30 de dezembro de 2016, servimos o último jantar do restaurante Roberta Sudbrack. Um jantar lindo. Mas um pouco diferente de todos os outros que fizemos em 12 anos de existência. Nesse dia, ninguém sabia, nem mesmo a equipe, que aquele seria o último jantar de uma casa que marcou época e foi pioneira na construção de uma linguagem, a da moderna cozinha brasileira. O RS foi um lugar que alçou voos altíssimos e ousou demais sem se importar com o perigo que corria de não ser compreendido. Lançou tendências e influenciou uma geração a pensar mais. Pensar sobre cada parte de qualquer ingrediente e o que pretendia fazer com ela. Ali mostramos ao mundo que sementes de quiabo são caviar… Que patinhas e antenas de camarão contam uma história. Que abóbora crua é sensacional! Que pão queimado é potencializador de sabor. Que jaca tem nuances de delicadeza. Que maxixe é versátil e chuchu tem sabor, sim, senhor! Fico pensando que, nestes tempos em que ser ousado é quase uma regra, nós, de alguma maneira, já tínhamos feito tudo o que hoje é tendência, muito antes. Fomos o primeiro restaurante no Brasil a trabalhar só com menu degustação, e jamais, mesmo em tempos difíceis, abrimos mão desse conceito. Nosso menu mudava todos os dias, porque acreditávamos que essa é a única maneira honesta de respeitar a voz da natureza. Com a frase “Meu mise en place não começa na cozinha,  mas no quintal do produtor”, queríamos dizer: olhe mais para o campo e para quem está lá de sol a sol, plantando e colhendo o que você vai cozinhar. E tudo isso aconteceu há 12 anos.

Quando os chefs de minha geração e eu começamos a semear e a arar o solo para a construção de uma nova linguagem na cozinha brasileira – já se vão mais de 20 anos –, a alta gastronomia foi uma expressão fundamental para impor uma forma que prendesse a atenção. E o menu degustação cumpriu muito bem esse papel, ajudou-nos a expressar nossa identidade por intermédio de uma linguagem mais universal, levando a firmar nossa culinária aqui e lá fora. Ele foi fundamental, mas não sei se é mais. Em minhas observações no Brasil e em outros países, esse formato vinha se esgotando. Não digo que esteja morto, seria ignorância, pois é uma forma importante entre tantas outras possíveis na linguagem da gastronomia. E sempre haverá espaço para restaurantes com esse perfil. As cidades precisam dessa diversidade de ofertas e, no Brasil, temos representantes maravilhosos que nos orgulham com seu trabalho, pensamento e filosofia.

Em minha opinião, e ela é muito particular, acho que o mundo mudou. Eu mudei, a cozinha mudou e os cozinheiros mudaram, e, mais, acredito que o excesso saturou. Excesso de informação, excesso de cursos em um jantar, excesso de louça, excesso de explicações, tudo isso ficou cansativo. Assim como o exagero de prêmios, de listas, de estrelas. Tudo ficou demais. Voltar às ruas e encarar o público nos olhos me fez ver isso. Eliminar excessos é preciso. Repensar a forma é preciso. Estar sempre em movimento é essencial! Senão, o sentido de tudo o que conquistamos até agora se perde. Começamos a andar e a agir como uma manada. A cozinhar repetindo todos o mesmo mantra, os mesmos movimentos e a mesma linguagem. Sem nem sequer pensar se ainda acreditamos naquilo, sem analisar, sem saber mais o que estamos realmente fazendo. Acho que precisamos ter muito cuidado com o que está acontecendo. A pasteurização é um perigo. Acredito que está na hora de parar para repensar. Dar um reset! Está tudo muito parecido, tudo muito igual: os cozimentos, a linguagem, as formas. Obviamente, não estou generalizando, temos no Brasil e lá fora cozinheiros com trabalhos incríveis, que mantêm a coerência e não se afastam de sua identidade.

Refleti muito, por pelo menos dois anos, até tomar a decisão de que chegou a hora de buscar um novo caminho que me leve para mais próximo das pessoas que me acompanham, que conhecem minha história, se inspiram nela, mas não tiveram a oportunidade de comer minha comida. É uma decisão muito pessoal, passou a ser uma essencialidade em minha culinária. Liberar-me das listas, das estrelas e de uma competição em que nunca acreditei. E com isso espero conquistar mais liberdade para explorar outras fronteiras e até me impor novos desafios guiados pela simplicidade. Nestes meus 21 anos de carreira, sempre valorizei a ousadia e a coragem de fugir do fácil, do conforto e vasculhar terrenos inexplorados e desafiadores. Já disse algumas vezes que sempre prefiro trilhar meu caminho pelas estradas vicinais a trafegar pelas autoestradas.

Eu me movo pela inquietude de quem gosta de criar, explorar outras possibilidades, desafiar-se e fugir do lugar-comum. De fazer sempre de outro jeito, sem abrir mão do que acredito que seja uma cozinha de restauração. Então, quando penso em um recomeço, em um novo ciclo, o que me vem de imediato é essa minha vontade crescente de libertar minha cozinha de modelos rígidos. Essa minha “destruição criativa” – para usar uma expressão do economista Joseph Schumpeter –, portanto, tem menos de economia e mais de um reencontro com algo essencial na cozinha que é a possibilidade de alimentar prazerosamente o outro. Penso que estamos diante de tempos que nos desafiam diariamente e não devemos ficar presos ao passado. Não quero abolir o passado, mas usá-lo como memória para fazer ainda melhor. Tal como o Roberta Sudbrack enfeitiçou a cidade do Rio de Janeiro e seus visitantes nesses 12 anos especiais e gloriosos, quero construir algo novo que, com a mesma ebulição, satisfaça o apetite dos dias que se apresentam. Esse desafio tornou-se uma necessidade imperativa para mim e para minha cozinha, e essa tem sido minha reflexão no momento: eu andava com saudade do futuro.

Fonte: Prazeres da Mesa

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