Rodrigo Oliveira está expandindo seus domínios. Mantém o QG na sua Vila Medeiros de origem, bairro operário da zona Norte de São Paulo, mas vai desembarcar na avenida Paulista neste mês, com a inauguração do restaurante Balaio, no Instituto Moreira Salles – o lugar abre no dia 22 de Agosto com a missão de apresentar uma radiografia das cinco regiões brasileiras por meio de pratos. Rodrigo vai comandar os trabalhos ali até a chegada de Francisco Pinheiro, que vai tocar a cozinha. E, no ano que vem, o salto é ainda maior: instala uma casa em Los Angeles (depois de ocupar uma loja no Shopping D, na zona Norte, e outra no Mercado de Pinheiros).
O convite para levar a comida brasileira para a Califórnia veio de um poderoso grupo de restaurateurs e ele levou mais de um ano para dar o Ok. Quem vai cuidar da casa é o amigo Vitor Vasconcelos, que foi seu mestre e treinador para competições na época da faculdade.
Como se não bastasse, está lançando nesta semana o livro Mocotó, o Pai, o Filho e o Restaurante (Editora Melhoramentos), em que conta a história da casa fundada pelo pai José de Almeida há 44 anos e sua trajetória, discorre sobre ingredientes fundamentais na cozinha sertaneja e ensina 111 receitas, como os já clássicos dadinhos de tapioca e mocofava.
Mas, apesar do estilo zen, o chef diz que anda com dor de barriga por causa do Balaio. Além da ansiedade, o menu tem lhe custado horas de estudo no Engenho Mocotó, espécie de laboratório de pesquisas na sobreloja do Mocotó.
Como é essa história de levar o Mocotó para os EUA?
O convite veio do grupo Sprout, que trabalha com Wolfgang Puck, April Bloomfield, Chad RobertsonBestia, République, Otium. Nosso restaurante vai ser em LA, ainda não sei onde. O menu terá referências às coisas que fazemos aqui, mas também vai conversar com o contexto de Los Angeles.
Antes disso você vai tomar a Paulista.
O Balaio vai explorar o que o Brasil tem de rico, bonito, precioso. Vamos mostrar as cozinhas do Brasil, e o nosso contexto é São Paulo.
Você chegou a ser considerado o líder da nova geração. A ideia te agradava?
Aprendi cedo com meu pai a manter os pés no chão. ‘Onde a terra é mais seca, as raízes são mais profundas’, você nunca vai encontrar um sertanejo que não seja visceralmente ligado à terra. Isso faz com que a gente não se deslumbre com o glamour. Da mesma maneira que ele vem, vai. O que nos trouxe até aqui foi o trabalho dia a dia, mesa a mesa, buscando fazer melhor, oferecer mais hospitalidade. Sobre ser um líder, eu não sei, mas o Mocotó mostra que a excelência pode ser construída em qualquer lugar. Ela pode vir em muitos formatos.
Críticos dizem que hoje você é mais homem de negócios do que chef.
Agradeço o elogio. Cozinhar é fácil, agora gerir, fazer as pessoas crescerem, reconhecer que você não é a peça fundamental, isso requer amadurecimento. A despeito de ser um homem de negócios, 90% do tempo que passo no restaurante é dentro da cozinha. Quem vem aqui sabe que vai me encontrar lá.
Qual o momento mais marcante da sua história no Mocotó?
Em 2001, quando assumi a casa, fiz a primeira reforma grande. Foi o maior risco que a gente correu de entrar em colapso, gastamos todo o dinheiro que tínhamos. Corremos muitos dias o risco de não conseguir abrir e se não abrisse não faturava. Foi aí que ganhei o respeito das pessoas. Do meu pai, eu ganhei uma bronca homérica.
Quais as três receitas mais simbólicas que estão no livro que acaba de sair?
Para falar da tradição a Mocofava, que nasceu aqui e em sua simplicidade, respeita a ciência, os processos e os tempos do cozido. Outro é o torresmo, que tem em qualquer lugar do Brasil, só que a gente faz de um jeito tão singular, devota tanta energia que o resultado é único: pele pururucada, supercrocante, e a carne macia e suculenta. São 12 horas para ficar pronto, é feito um a um como peça de artesanato. Por fim, o dadinho de tapioca, que exemplifica o que o Massimo Montanari escreve em Comida como Cultura: a tradição é uma inovação que dá certo. Alguém fez a primeira carne de sol, o primeiro baião-de-dois e a gente fez o primeiro dadinho de tapioca.
Que sente ao ver o dadinho por aí?
Orgulho puro. O Laurent me falou uma vez: não se preocupe se estiverem te copiando; se preocupe se deixarem de te copiar. O dadinho está no Brasil inteiro e até no exterior, eu já comi no Museu de Arte Moderna de San Francisco, na Califórnia, no Le Dauphin e no Brutus, em Paris, na Itália, na Espanha, no Japão, na Austrália, na Coréia.
O que chefs te marcaram?
Mara Salles, quando descobri gastronomia (e gastronomia brasileira porque eu não conhecia outra), me fez ver esse caminho de brasilidade. Depois, os chefs da Universidade Anhembi Morumbi, que me deram base sólida técnica. Estagiei com o Laurent Suaudeau, onde vi excelência de serviço, e com Jefferson Rueda no Pomodori, que fazia um trabalho extraordinário, e me fez ver o que é funcionar na vida real. Ali vi que os restaurantes não são muito diferentes, não importa se é o Mocotó na Vila Medeiros ou o Pomodori nos Jardins. E tem o Alex Atala, o cara que colocou o Brasil como destino gastronômico, e sempre foi muito generoso com a gente.
Quem está fazendo coisas interessantes hoje por aqui?
A nova safra eleva o nível do jogo. Ivan Ralston (Tuju), Victor Dimitrow (Petí), Marcelo Corrêa Bastos (Jiquitaia). Lá no Rio, Rafa Costa e Silva (Lasai), o Thomas Troisgros (Olympe). Em Minas, um reduto de cozinha tradicional, o Leonardo Paixão (Glouton), o Fred Trindade (Trindade). No Nordeste, há um trabalho de união dos cozinheiros que é exemplar, André Saburó (Quina do Futuro), Claudemir Barros (Wiella Bistrô), em Recife, Onildo Rocha (Cozinha Roccia), na Paraíba, no Norte o Thiago Castanho (Remanso do Bosque) e o Felipe Schaedler (Banzeiro) de Manaus. No Sul, a Manu Buffara (Manu) e o Marcelo Schambeck (Del Barbieri), de Porto Alegre. No centro-oeste Agenor Maia (Olivae).
E tendência? O que está acontecendo de interessante?
Viajei bastante nos últimos tempos e vi grandes e jovens chefs, saírem dos três estrelas Michelin para montar suas próprias casas, casuais com boa comida e bom preço. Está acontecendo no mundo inteiro, de Copenhagen a Milão. Estão sendo mais felizes e fazendo bons negócios – a gente sabe que, há tempos, a alta gastronomia deixou de ser bom negócio.
Essa tendência tem a ver com o fim dos menus degustação?
Os menus degustação sempre terão espaço. Mas a excelência têm muitos formatos. Pode vir em um sanduíche, um café, ou num menu sazonal pelo qual você vai pagar um dinheiro justo e que vai te fazer querer voltar ao restaurante – acho que essa fórmula é uma tendência. Chega de acessórios, de enfeites que cobriam a deficiência da cozinha, do serviço e do acolhimento. Chega dos que servem só luxo. O público está maduro o suficiente para não ser iludido.
Por que os chefs do Brasil não conseguem se articular para conquistar prêmios internacionais?
Talvez um dificultador seja a dimensão do nosso País. Com certeza faltam incentivos para a mobilização. A gente está em um momento muito especial, com grandes e belíssimos restaurantes aqui. Sediar as cerimônias de premiação é um tremendo passo pra chamar gente para circular aqui. Já foi Lima, Cidade do México e Bogotá, por que não São Paulo?
Por: Isabelle Moreira Lima
Foto: Bruno Santos/Terra
Fonte: Paladar – Estadão
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