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Uma gastronomia social

por | jul 18, 2017 | Colunistas

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Quando pensamos em uma carreira profissional, muitas vezes deixamos para segundo plano a percepção de que tipo de impacto social estaremos proporcionando ao exercer o ofício. Muito se lê sobre a relação de bem estar na escolha de uma carreira. E podemos dividir os temas encontrados em: “Faça algo que te dê prazer, e o dinheiro virá”. Ou aqueles que preconizam algo como: “trabalhe em algo que te dê dinheiro, e com o dinheiro seja feliz”…

O que as pessoas acabam esquecendo, é que passamos a maior parte dos anos de nossa vida envolvidos com nosso trabalho. E se nos destacarmos em nossa área, o maior legado que deixaremos para as futuras gerações será justamente nossa produção profissional, seguido pelas relações interpessoais que cultivamos ao longo da vida. Ou seja, sua capacidade de modificar a vida das pessoas (no que tange a quantidade de vidas) está muito mais atrelada a sua produção profissional do que sua doação de roupas a uma igreja no final do ano. Certo? Nem sempre…

A nobreza está inserida em todas as profissões. Não existe uma só carreira que não tenha grande importância para a construção de uma sociedade mais justa e feliz. Mas a inquietude diante da vida nos torna seres extraordinários. E alguns indivíduos buscam se destacar justamente pelo incômodo em que vivem.

Me apaixonei pela gastronomia há muito tempo. Um trabalho ora em equipe, ora solitário. Que encanta pelas descobertas diárias de aromas, sabores, texturas, técnicas e misturas. Um mundo muito singular que só quem está profundamente inserido consegue entender suas nuances… E nestes longos anos de trabalho nunca havia percebido as possibilidades modificadoras que um cozinheiro pode exercer ao extrapolar as panelas de sua cozinha. Aconteceu quando esbarrei em um estande do Gastromotiva, em um congresso em São Paulo. Foi amor a primeira vista… Fiquei horas conversando com alunos do projeto. Os olhos deles brilhavam de orgulho e alegria por fazerem parte daquele lindo projeto. Eles sabiam da responsabilidade que tinham. Haviam mudado o curso da história da vida deles, e eles sabiam que poderiam passar isso adiante!!! E estavam passando!!!

O tempo passou, e o projeto hoje ganhou importância e visibilidade merecida. Mas ainda estão invisíveis, para grande parte da população, tantos outros lindos projetos… Alguns que alimentam moradores de rua, outros que ensinam a importância de uma boa alimentação, ou que exaltam o vital papel do pequeno agricultor na economia local e nacional através de aulas ou palestras gratuitas. E assim, presenteiam de mil formas diferentes outros seres com carinho, dignidade e respeito. Infelizmente muitos destes projetos não são de conhecimento do grande público. Mas isso está mudando!

Tive o prazer de conhecer o trabalho de um cozinheiro inquieto chamado Julio Ritta. Natural de Porto Alegre,  Julio tem 15 anos de cozinha profissional e começou seu projeto em setembro de 2015. Já tendo cozinhado e chefiado algumas cozinhas ao longo de sua caminhada, percebeu que seu papel poderia ultrapassar as barreiras de grandes cardápios (que infelizmente era privilégio de apenas uma parcela da população). Ele foi um dos selecionados para o programa Hell’s Kitchen (programa de culinária transmitido pelo SBT). Na época, ele conta, que aproveitou a oportunidade para fazer um vídeo convidando as pessoas para participarem na preparação e distribuição de pratos para moradores de rua!  Numa tentativa de reunir mil cozinheiros (fazendo referência ao encontro de mil músicos em Cesena-norte da Itália-que tocaram Learn to Fly, clássico da banda norte americana Foo Fighters, como forma de sensibilizar a banda a se apresentar naquela região do país).  Daí surgiu o nome  Food Fighters!

Uma gastronomia social

Apesar de não terem conseguido os mil cozinheiros, alcançaram uma linda marca de mil pratos servidos em poucas semanas! Assim o projeto “Cozinheiros do Bem – Food Fighters” foi crescendo. E hoje já possui uma agenda fixa. Todos os sábados, a partir das 11h da manhã na Avenida Alberto Bins sob o viaduto da Conceição no centro de Porto Alegre, eles servem uma média de 700 almoços completos (arroz carreteiro, macarrão com molho, polenta, carne, salada variada orgânica (que ganham de um sítio, suco, refrigerante, salada de frutas, pães, sobremesas).

Desde o início do projeto, já foram servidos mais de 80 toneladas de comida! Os alimentos são custeado pelos voluntários do projeto (uma média de 25 pessoas) e possui o patrocínio de um sítio do interior do Rio Grande do Sul chamado Vandrea Alimentos.

O coletivo vem crescendo e ganhou um ônibus de doação neste ano! A meta agora é transformá-lo em uma cozinha móvel para alcançar um maior número de pessoas! Como se não bastasse levar comida para quem tanto precisa, há uma linda interação da organização com os moradores de rua, fazendo daquele momento algo singular! O grupo já realizou o aniversário de um ano para um menino, morador rua, com direito a bolo, palhaço, doces em uma linda festa cheia de alegria!

Uma gastronomia social

A ceia de Natal, promovida pelo coletivo teve show com músicos renomados da cena musical de Porto Alegre. Não faltou panetone, churrasco, arroz à grega, salpicão e presente para mais de 800 pessoas! Acima de tudo, não faltou carinho e uma vontade incrível de continuar!

Julio conta que o projeto se baseia numa filosofia africana chamada Ubuntu, Ubuntu é uma antiga palavra africana e tem origem na língua Zulu (pertencente ao grupo linguístico bantu) e significa que “uma pessoa é uma pessoa através (por meio) de outras pessoas”.

Uma gastronomia social

A gastronomia é muito mais do que um prato, uma técnica ou uma moda. A gastronomia é um agente de transformação. Ela é cultural, social, política e econômica! Somos nós quem imputamos seus valores.

Para se tornar voluntário neste incrível projeto, seguem os contatos abaixo:

Rua Conselheiro Xavier da Costa, 2753, casa – Bairro Ipanema – Porto Alegre
Telefones: (51) 8448-0325 ou (51) 3246-7890
www.facebook.com/cozinheirosdobem

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Gustavo Guterman

GUSTAVO GUTERMAN

Graduado em Gastronomia no Centro de Formação Internacional Alain Ducasse e pós graduado em Segurança de Alimentos pelo SENAC SP.

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