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Sazonalidade, locavorismo e PANC na busca pela sustentabilidade!

por | ago 26, 2018 | Colunistas

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No dia seguinte ao “O Dia Seguinte” (o filme) a humanidade acordou com uma grande ressaca.

Esse filme, que retratou um conflito nuclear entre as duas potências da guerra fria em 1983, mostrou que, definitivamente o HOMO SAPIENS tinha acabado de alcançar o poder de aniquilar, o seu habitat, o planeta terra!

Não depende de nós que tudo dependa de nós” cunhou de maneira lapidar, o filósofo francês Michel Serres, naquela ocasião!

Foi então que a sobrevida no planeta passou de meras combinações prováveis, como foram o Big Bang há bilhões de anos ou o fim dos dinossauros, há milhões, para as mãos de apenas um cidadão, um “Putin” de plantão, com o dedo no botão pronto para acionar o artefato nuclear.

Fizemos atual e moderna, a lenda da espada de Dâmocles, desta vez pendurada sobre nossas cabeças!

Desde então está em nossas mãos!

Instituições governamentais e não governamentais, pensadores começaram então a olhar para o planeta com “um olhar diferente”.

Empresas, desde então, ornam suas recepções com declarações de “missão” “visão” e sobretudo, valores – precisa salvar o planeta.

No IFBG Gastronomia, de Campinas, não é diferente: assim elegeu a “sustentabilidade” como um dos 4 pilares que sustentam o seu projeto. São os seus valores.

Mas o que é sustentabilidade? Como praticar a sustentabilidade? Como sensibilizar o seu público para esta necessidade imperativa? – Não basta dizer, é preciso fazer!

Sustentabilidade é algo concreto, mensurável: amanhã precisa ser melhor que hoje!

O contrário seria como o parasita, que “toma tudo e não dá nada”, parafraseando ainda, Michel Serres.

Partimos da sazonalidade – o que é?

Na prática gastronômica, sazonalidade significa optar sempre pelo insumo que se nos apresenta da maneira mais natural possível, no limite aquele que nasce sem ser plantado!

Europeus, com um clima menos “amigável” que o nosso, começaram primeiro, o escasseamento, acelerado de seus recursos naturais os obrigou a agir mais rápido.

No país do “tudo dá o ano inteiro”, as coisas ficam mais lentas – continuamos comendo uvas nos meses de inverno, morangos nos meses de verão!

O último ponto a definir, quando organizo viagens gastronômicas para a França, são os cardápios dos workshops – escolas como a Le Nôtre ou Le Cordon Bleu, aguardam até agosto, para saber que insumos estarão disponíveis no outono europeu.

Na fazenda Santa Adelaide Orgânicos você encontra “chalotas” (cebolas) somente até o mês de maio – “depois não é mais a estação” como afirma o David, idealizador do projeto.

Como vemos, aos poucos, as mudanças estão acontecendo.

No IFBG Gastronomia, 2022 é o ano em que todas as preparações estarão levando em conta a sazonalidade dos insumos – pimentão, alcachofra ou tomate, tudo tem o seu tempo, a sua estação.

No Brasil, comemos “xuxumate” e não tomate, como sugerem alguns críticos! Não entendeu? – na sua próxima viagem à Europa deguste um tomate comprado na feira, lá!

O que a sazonalidade permite no tempo (época do ano) o locavorismo faz no espaço geográfico.

Locavorismo começa nos Estados Unidos, expande pela Europa e ganha o mundo.

Mas o que é locavore? –  “lugar” e “vore” o consumo de insumos produzidos a menos de 160km (100 milhas). Assim, é locavore, aquele individuo que opta por consumir produtos de melhor qualidade e sem nenhum tratamento ou acondicionamento, incentivar e valorizar o produtor local, reter as pessoas em suas comunidades, diminuir a consumo de energia fóssil com menos transporte, expandir a diversidade de paisagens e de tipos de culturas (o oposto das monoculturas).

No IFBG, implantamos pequenas hortas que produzem as ervas aromáticas para as nossas preparações. Compramos de pequenos produtores, ao invés de grandes centrais de abastecimento.

É, sem tirar o “olhar do chão”, que nos deparamos com as PANC (plantas alimentícias não convencionais), uma vez que costumam ser encontradas em qualquer lugar, até mesmo nas vias públicas de nossas cidades como a serralha ou o ora pro nobis.

Só no Brasil, estima-se que possam existir mais de 3 mil espécies de PANC.

Quanto mais PANC mais cores e frescor nos pratos.

Oferecer qualidade nos dias atuais não é mais diferencial, passou a “ser comodity” assim, o simples uso de PANC pode ser o que define o sucesso de um projeto!

Em 1963, os irmãos Troisgros, em Lyon-França, deram início ao movimento do qual originou a Nouvelle Cuisine, com o prato “Escalope de saumon à l´oseille” (salmão com azedinha – uma PANC).

Na direção contrária, a transgenia domina 90% da alimentação do planeta, com apenas 20 espécies. Essas 20 espécies foram domesticadas no neolítico, ou seja, há 10 mil anos!

A matriz agrícola do Brasil tem 10 mil anos!

Geleias de morango, goiaba, damasco estão nos cafés da manhã de nossos grandes hotéis, de norte a sul do país – nada de jabuticaba, araçá ou marolo… por que não?

1 de agosto de 2018 foi o dia da “sobrecarga da terra”, chamado na França de “jour du dépassement” ou “over shoot day” – tudo que o planeta produzir até o 31 de dezembro deste ano, já foi consumido antecipadamente!

Dito de outra maneira: trata-se de “um saque no futuro”.

No mundo foi o 1 de agosto, na Suíça, foi no dia 7 de maio!

Não depende de nós que tudo dependa de nós”.

Antes de ir embora calcule a data limite para a sua “sobrecarga da terra” pessoal acessando: www.footprintcalculator.org.

BIBLIO

1 – Fritjof CAPRA – A Teia da Vida
2 – Michel SERRES – O Contrato Natural (Le contrat naturel)


Wenceslau Avila

WENCESLAU AVILA

Gerente de Qualidade no Instituto Franco-Brasileiro de Gastronomia. Instituto de alta gastronomia com padrão internacional em Campinas/SP.

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