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A desconhecida gastronomia de um gênio

por | jun 12, 2017 | Áreas, Colunistas, História

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Foi em meados de 1470 que um jovem no interior da Itália começou a escrever sua história. “Desengonçado e guloso”, era como seu padrasto (conhecido padeiro da aldeia toscana de Anchiano) o descrevia. Mas foi sua mãe, uma batalhadora camponesa chamada Caterina, a responsável pela criação de nosso intrépido personagem.  Com sonhos e planos, ele queria alçar voo! Porém sem dinheiro, sabia que não conseguiria ir muito longe. Não demorou muito, o jovem conseguiu um dos seus primeiros empregos. Além de pintor, ofício que lhe rendia alguns trocados, se tornou garçom na taberna da cidade –  “Os Três Caracóis”.

Assim começou a busca pela tão sonhada independência. Cinco anos, de noites pintando quadros e dias levando pratos e bebidas para seus clientes, se passaram. Foi a morte de um dos cozinheiros que levou o jovem garçom à cozinha. Através de suas experiências passadas ao lado de seu padrasto, e entusiasmado com a nova posição, decidiu implantar mudanças no local! Idealizou mesas pequenas e serviu porções menores de pratos sofisticados, com uma apresentação que lembrava muito a revolução gastronômica na França três séculos depois!

Os clientes, acostumados a pratos de guisados toscos e abundantes, ficaram furiosos, e o jovem cozinheiro em uma tarde movimentada teve de fugir correndo da taverna para salvar sua vida, tamanha foi a fúria de seus clientes! Apesar do curioso ocorrido, continuou seu trabalho. Tudo voltara a uma certa normalidade até uma infeliz noite de outono, onde um incêndio, pois fim a taverna “Os Três Caracóis”.

Máquina de Spaguetti

Máquina de Spaguetti

Triste com o trágico fim da taberna e cansado dos hábitos alimentares da época, se juntou a um antigo amigo e começou a traçar planos. Foi então, embriagados de vinho, ao som de Guillaume Dufay (um dos maiores compositores da época) que os dois jovens traçaram um audacioso plano de negócio – há quem diga que foi o álcool e a possível falta de imaginação dos cozinheiros locais, que levaram aqueles dois jovens a estabelecer um dos grandes marcos gastronômicos da História.

Iriam abrir uma pousada, com uma taberna!  Mas não qualquer taberna. Planejaram um estabelecimento diferente de tudo que havia na região. Apresentariam pela primeira vez para seus clientes seus pratos em um cardápio cuidadosamente escrito. Nas mesas disponibilizariam panos dobrados para que seus comensais pudessem limpar a boca. Até aquele momento, cachorros e coelhos eram utilizados para limpar as mãos dos comensais (fica fácil entender o porquê então de frequentemente encontrarmos tais animais retratados nas proximidades das mesas nas pinturas da época – hábito este herdado dos medievais). Iniciavam assim os princípios da etiqueta à mesa.

O nome escolhido era no mínimo peculiar; “A pegada das três rãs”. Tendo por base a experiência do antigo emprego, onde era servida grande variedade de pratos de polenta de aveia (não se conhecia o milho), misturada com numerosos pedaços aleatórios de carne, os jovens artistas resolveram inovar novamente e abriram o primeiro restaurante vegetariano que se tem notícia.

Fatiador de Ovos

Fatiador de Ovos

Com grande entusiasmo e pressa, para abrigar as mesas da taberna, improvisaram uma tenda feita de telas grande (várias já pintadas) contrabandeadas do ateliê de um conhecido pintor florentino, outrora mentor dos jovens. Apesar do esforço, e da habilidade inventiva de um dos jovens amigos, (que projetou utensílios e máquinas para auxiliar no dia a dia da cozinha, como um engenhoso fatiador de ovos, máquina de espaguete e espremedor de alho), cidadãos renascentistas não estavam preparados para tudo isso. E o restaurante fracassou.

Essa seria mais uma (antiga) história da desilusão de jovens com um negócio gastronômico, se não fosse por um simples detalhe; Os jovens sócios da história eram nada mais, nada menos do que Sandro Botticelli e Leonardo da Vinci!

Não é de se estranhar que o visionário e curiosíssimo Leonardo, a mente que se destacou em todas as áreas possíveis e imagináveis da ciência e da arte, estivesse anos à frente do seu tempo inclusive à mesa. Tão à frente que ninguém entendeu porque aquela taberna do século XV não servia carne, símbolo de status social, nem o que significava aquele cardápio, um pergaminho ilustrado com os desenhos de Botticelli e textualizado com a escrita invertida de Da Vinci.

Mesmo tendo escrito um livro chamado “Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci”, seu legado ao mundo da gastronomia permanece à sombra da mais incrível coleção de inventos e soluções de engenharia já imaginadas por um único homem. A sua paixão culinária pode estar em segundo plano para a maioria de nós, mas ao que parece, ele levava a matéria muito a sério. Tanto que Da Vinci deixou uma parcela considerável de seu patrimônio a Battista de Villanis seu fiel criado e cozinheiro milanês.

Artigo baseado nos escritos do livro – Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci de Shelagh Jonathan Routh.


Gustavo Guterman

GUSTAVO GUTERMAN

Graduado em Gastronomia no Centro de Formação Internacional Alain Ducasse e pós graduado em Segurança de Alimentos pelo SENAC SP.

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